quarta-feira, 28 de março de 2018

29 de Março de 2018

Olga,

Desculpa por te escrever essa carta depois de tanto tempo, não foi fácil durante uns anos. Alguns dias eu só queria ficar bêbado escutando Bon Iver. Mas, eu hoje lembrei do teu aniversário e do quanto você ainda gosta de receber parabéns (porque certas coisas nunca mudam, eu sei). Além disso, certa vez você me disse gostar dos meus textos, eles só deviam não sofrer tanto. Você dizia isso vestindo uma camisa escrita “ Love will tear us apart”, vê se pode? A tristeza sempre foi nosso segredo em comum, Honey baby.
Quando nos conhecemos éramos tão jovens, darling, e eu era mais imaturo do que julgava ser. Você me ensinou tantas coisas que eu nunca agradeci, como a tua liberdade, como umas músicas do Red Hot que até hoje eu canto, Frusciante não ser teu sobrenome e a letra de Miss Sarajevo. Essa última parte eu nunca disse, não é? Eu escutava U2 só para te impressionar.
Não sei se eu sou o chato que não te supera e volta chamando teu nome ou se realmente algo que nos transcende nos une com força tamanha, não obstante nossos destinos diametralmente opostos. Há um certo laço entra a gente desde aquele dia quando você, inocentemente, me ensinou a fumar. Às vezes é como se ainda estivéssemos na varanda dividindo um Dunhill, o spotify tocando Come Pick Me Up e a toalha secando o teu cabelo recentemente pintado de vermelho ou cor de girassol.
São teus novos 20 e poucos anos de vida, dos quais alguns compartilhamos. E apesar de tudo eu sei que ainda estou em algum esconderijo que você fez, onde eu não podia entrar, mas você só me avisou tarde demais. Um lugar de ti onde só nós dois sabemos, onde nós ainda existimos. Duas estrelas, comprometidas com o infinito.
Foi bom te encontrar e me apaixonar, desentender, voltar, discutir Lars von Trier em um quarto de motel fumando maconha, sumir, chorar. O mundo é mau, minha Justine, mas a verdade é que eu nunca soube te odiar. Muito menos nossas escolhas. Eu só odeio DogVille e o governo Michel Temer.
Eu queria ter lições de vida para te contar, mas acontece que eu ainda continuo errando tanto, Honey. A vida adulta é tão dura às vezes que “quanto mais eu escuto o Axl cantar “Don’t cry tonight”, mais eu tenho vontade de chorar”, como você costumava dizer. Para você também tem dias que são impossíveis, eu sei. E por mais que a tragédia seja um país estrangeiro no qual não se sabe o que dizer aos nativos - como eu aprendi naquele filme -, estamos no mesmo barco e ele ainda flutua. Não se entregue nunca, Darling, porque em você There’s a light that never goes out.
Nós mudamos muito desde que você deixou a luz do sol entrar na minha vida e eu cantei Beatles para ti, mesmo você dizendo que odiava. Eu mudei de endereço, perdi o medo do escuro e comecei a ler Sartre; eu me apaixonei de novo e sei que você se apaixonou também. Eu juro que me sinto feliz por isso, assim como eu juro que tentei ver Mulholland Drive, mas eu dormi.
Eu sei, honey, que as nossas vidas se opuseram de tal forma que, certamente, não daríamos mais certo juntos, mas ainda trocaríamos mil conversas até o sol nascer. Você ainda conhece tantas músicas legais que eu ainda nem ouvi falar, tal qual eu inventei algumas outras canções que você acharia bem meia boca, mas ouviria até o final.
Sabe, eu nunca esqueci tua voz que ainda soa como um gol, no rádio, do time preferido aos 48 do segundo tempo em final de campeonato, do teu corpo branco onde eu deitaria um beijo em cada centímetro, da tua meia calça preta — que eu nem sei se ainda existe -, dos teus olhos claros, unhas longas, mamilos rosados e a franja malfeita. Nossas digitais não se apagam das vidas que tocamos. As tuas ainda estão guardadas por aqui, onde ninguém pode ver, mas onde você sabe que as deixou. Aliás, recentemente comprei um retrato de uma pintura chamada Danaë (do Klimt), porque achei tua cara. Eu a pendurei na parede atrás do notebook. Ela me lembra você dormindo e da imensidão do amor que sentíamos quando tão fragilmente expostos.
E é assim que eu te desejo Parabéns! E me orgulho, de alguma forma, pelo o que você se tornou, por você ser tão sua. Todavia, eu sei que ainda há eu em ti também, guardado.
Tu mereces esses anos e os outros milhares de anos que virão, e que você continue linda de frente, verso e avesso, como és. Some girl are Bigger than Others, baby, e você é a maior que eu já conheci. Eu amo a pessoa que você é, não esquece, ok?
Feliz Aniversário, Olga
J.
P.S: To te mandando uma cópia do retrato que eu falei.


domingo, 24 de novembro de 2013

Olga ( III )

                                                            Uma nota:

 Olga voltou para o seu país, sua ilegalidade aqui neste  já completaria 1 ano. Por isso ele arrastou os pés daqui?
  Espero que por lá, quando Olga desembarcar, esteja um clima ameno, que a cidade lhe receba com flores e ela demonstre sua saia Jeans. Deus! Como ele fica linda naquela saia Jeans. Como ela fica linda naqueles olhos turvos-esverdeados. Como ainda ficam lindas suas fotos coladas no teto sobre mim. Sua flor descansa em meu caderno. Como ela não ficou?
   
                                                       Faltou esta memória:
  Olga amava flores. - Desculpe-me - Olga ama flores. Cacei algumas nos jardins vizinhos, depois de sua partida, algumas dessas que nascem nos canteiros, roubei meia duzia. Cinco não duraram, apodreceram-se, perderam a tez da manhã em suas peles-pétalas, enferrujaram-se. Flores enferrujadas pela solidão. Se respiram, sentem-se sozinhas, não é?
Sobreviveu uma, somente uma. A mais dissonante, por sinal. Não era branca, muito menos enferrujara-se, não era a melhor dentre as seis, mas o sol adorava sua pele-pétala, que por sinal pareciam unhas que cortavam a luz saltitante da janela e eu não soube como não ama-la. Olga. Enrugaram-se, com o tempo, as pétalas e o corpo  também logo em sequencia. Infelizmente eu tive que guarda-la. Eu tive que guarda-la, infelizmente.

   Espero que Olga largue os cigarros, continue a usar seus óculos, deixe a clavícula à mostra somente para ocasiões especiais e que nunca deixe que descubram as constelações em seus sinais pelo corpo. Pela cidade, nos ônibus e metrô, nas ruas desgastando seus sapatos, queimando olhos alheios com seu cabelo cor de sol eu espero que não reparem em suas pernas, em suas longas pernas pálidas. Eu espero que não a toquem onde eu toquei, eu espero que não apaguem a marca do meu beijo em sua coxa, eu espero que não encostem na sua bunda, que não deslizem os dedos sobre o relevo de sua costa, que não passem a língua pelo seu pescoço. Eu espero que não possam sorver seus pequenos mamilos rosados. Mas, nem a chuva resiste àquela infernal boca rubra. Que a beijem! Foda-se, que a beijem! Que a toquem! Porém, nunca como eu.

  Rios e pássaros, árvores e o céu, um estranho, um balanço sozinho. A cidade notará quando Olga por os pés em sua terra, talvez seus pais resolvam juntar-se para busca-la no desembarque e ela os abrace e no caminho para casa ache a saudade escondida que tinha do lugar, da sua piscina infantil, das corridas pelo parque central, do seu pai tocando violão,  dos amigos que lhe ignoravam, lhe excluíam, da sua solidão - Não!- . Aquela casa não é mais sua, algumas lembranças ainda doem. O mundo já sente sua falta. Talvez seus vizinhos lhe deem boas vindas e ela não dê a minima. "O mundo é seu e você é tão sua", ela sabe.

   Aquela Polaroid talvez ainda aguente uns anos, talvez dure pouco se fitar, com sua lente, Olga constantemente. Ainda irão eternizar-se no papel-foto muitas estrelas, flores, seu próprio rosto. Depois é só repor os papeis e se precisar, trocar a lente. Assim ainda irá eternizar-se no papel-foto o mundo outra vez. Seus poemas fotografados.
 Sobrancelhas recém tiradas, olheiras rasas, obsceno riso acenando-me em frente ao portão, com uma voz de 1980 e um emaranhado de fios sobre a cabeça. Tudo some entre fumaças e buzinas tão de repente e outra vez, a terceira nessa semana. Onde compra-se novos olhos?


  O cinema de sua cidade ainda a espera, como se Olga tivesse ido comprar a pipoca. A tela sorrirá discretamente ao perceber seus pés mastigarem o chão da sessão. Encontros de velhos amigos. Constantemente viam-se, aquela sala escura era a sua viagem, sua nuvem, seu transporte. Olga lembará de quando a tela lhe transmitiu algo incrível: O fim do mundo. Onde dois planetas consumiam-se. O fim do mundo que Olga mais apaixonou-se. "O mundo é mau, ninguém vai sentir falta dele". O mundo é mau, minha Justine. Às vezes, eu te odeio tanto.

   A essa altura o avião deve estar chegando. Por lá é dia ou noite? O sol tocará seus fios de cabelo com toda certeza, nem que para isso ele queime o resto do mundo, Olga rasgará a luz com suas unhas. O céu tão perto das mãos. Algo ilumina sua alma, seu signo de Abril. There is a light that never goes out. Certamente alguém naquela cidade irá sorrir, Olga e sua saia jeans.

 Tantas pessoas caíram em seu leito sem lhe dizer. Aquelas intermináveis veias à mostra, infernais olhos bentos. Alguém que já foi tanta coisa, mas agora está sem tempo. Olga. Nem o Oceano foi capaz de não se entregar.

   E eu? Eu durmo agora, agora que a luz do dia come a escuridão de pedaço em pedaço. A janela dorme de olhos abertos. Do outro lado da rua alguém com Sobrancelhas recém tiradas, olheiras rasas, obsceno riso acenando-me, com uma voz de 1980 diz "Dorme bem"
 - Dorme bem, honey.

 
   Fim.

sábado, 17 de agosto de 2013

Alvorecer.




 Nem meu nome pronunciaste
 Sumi na fumaça do cigarro em tua boca
 sob a neblina vi fugir teu corpo
 Teu beijo em branco e preto.
 Negaste-me teu afeto, o peito
 morri noites a fio e só você não viu

Tal como a fumaça do teu café vai embora,
 Levando o cheiro gostoso da manhã
 Meu amor por ti também anda evaporando
 E ele já não me esquenta mais

 Por vezes eu o inspiro, pra ver se meu sangue absorve
 E, assim, parar de volta no coração
 Essa estação fria que tu deixaste em mim,
 Um entremeio de inverno rigoroso e outono brando
 Essa solidão que tu me deixaste

 Falta eu nela
 Porque eu não estou aqui nem aí
 Perdi-me no meio do caminho
 A fumaça do teu cigarro tapou minha visão
 O aroma do teu café privou-me do olfato
 E este frio tremendo me tirou o tato

Mas ainda sinto-o aqui,
como se deitasse cansado ao alvorecer do dia o meu lado
e com um ultimo suspiro
sinto queimar a mesma chama de antes
porém, agora fere

Você é como uma faca
sobre minha carne crua

você é a ferida aberta, escancarada
a tradução mais cruel que o amor possa ter

Prazer maldito!
Lembrar-te faz lembrar-me de mim
dos poemas, das brigas, do teu jeito de ir e voltar
como se soubesse que eu sempre fui sua

A luz da rua desenha teu rosto no invisível
Se você soubesse o quanto ainda sinto
jamais diria adeus
Se eu soubesse como dizer
esconderia de nós o segredo

Eu me dispo.




- Danilo Pinto e Andressa de Melo

domingo, 4 de agosto de 2013

Sing me to Sleep, darling (II)

   As mãos frágeis seguraram-me, a boca fraca estremeceu. Olga tinha olhos cansados. O sujeito do carro eu não observei, eu não quis observa-lo. O arrepio do meu corpo denunciou-me. Eu a esperava, esperava sentado, em pé, enquanto corria à noite na esperança de revê-la.
   Um ano após aquele bilhete, vê-la de novo foi como chutar a quina da mesa, senti vontade de vomitar toda aquela comida congelada que eu comi desde então, beija-la a boca e dizer que dessa vez ela se atrasou para o jantar.
  Eu que costumava cozinhar para nós dois, perdi a vontade. Aquela cozinha tinha a dança de Olga, tinha o seu cheiro de chá de Erva-doce depois das refeições e de Camomila pela manhã - pra acalmar- ela dizia. Ver o seu lugar na mesa vazio me consternava. Eu voaria os pratos pela janela, mas depois desisti, eu doei seus bules - os quais eu comprei- e a mesa eu fingia não ver, larguei as panelas de lado, bastava-me os congelados e enlatados.
  Olga voltou e só cuspiu um "olá" sobre meu rosto, depois disse-me que eu andava "morgado e borocoxô" e eu não entendi sua gíria; Percebi que ainda amava o seu sotaque, depois olhei para os seus pés e ela não calçava o  antigo All Star. Olga depois de julgar-me e invadir a casa, como se só tivesse ido comprar o pão, falou-me da razão de sua volta:
 - Esqueci coisas minhas
 -  Esqueceu a casa inteira - eu falei, com olhos na contramão aos dela
- Minha saia jeans, aquela surrada...vistes?
- A da praia?
- Sim
- Segunda porta do guarda-roupas, prateleira de cima - Olga correu a mão sobre a porta - Deixa que eu pego! - retruquei logo em seguida
 -  Escondes ouro aí agora? - Sentada sobre a cama olhou-me assustada, pela minha pressa para ajuda-la
  - Desculpa - eu disse, fitando-a naquela cena.

 O que me acalmava depois das 2 horas da manhã era a luz da televisão, em silêncio, invadindo o quarto, ao som da voz de Olga ao fundo, lindamente. Os olhos de Olga com leves tons de negro e os meus também denunciavam nossas madrugadas. Transávamos ao som de baladas antigas e alucinantes, que tocavam em um útil toca disco, que eu herdará do meu pai. Olga era uma amante de objetos antigos também. A agulha arranhava o Long Play e a voz de Ney Matogrosso cantando "Delírio" soava, as unhas de Olga arranhava minha costa e nós gemiamos. Meus dedos roçavam seus pequenos mamilos rosados e com palavras obscenas, Olga, dominava a cena e nós nos entregávamos. Diziam que era do signo, mas eu nunca creditei isso ao incrível sexo que Olga tinha. Como fosse em um mar, jogávamos nossos corpos na cama, exaustos, expostos, febris sem febre, inteiros e únicos. Olga trocava o disco para o seu preferido e cantava com o resto da força que lhe sobrava . Dormíamos tarde, quase sempre, e eu, ao tocar os longos fios do cabelo cor de sol de Olga, dizia:
- Sing me to sleep, darling.- ao som da canção.

Ao puxar sua saia do meio de roupas velhas e outros trecos, Olga reparou que eu ainda guardava nossos retratos e as fotos que ela revelava para mim. Olga era uma pintura com articulações, eu amava suas poses e bocas, olhos, ossos e cabelo. Olga Reclamava de alguns traços e medidas e do seu nariz. Eu o amava, amava percorrer toda a sua extensão com a ponta dos dedos, enquanto Olga tremia os olhos de sono. Eu amava a curva que eles davam nas lágrimas quando Olga chorava após uma garrafa e meia de vinho. Eu amava o jeito que ela o fotografava. O mesmo nariz agora me encarava junto a um rosto com feição de espanto:
- Olha eu! - Disse Olga
- É... - envergonhei-me
- Não sabia que você as guardava, eu nunca as vi em nenhum porta retrato pela casa.
Eu não sabia também por que tinha tanto apreço àquelas poses. Sorri triste.
O carro parado em frente a casa buzinou, Olga saiu. Eu ouvi leves sons de vozes e um acelerar de carro. Olga voltou dizendo que não suportava grosseria e que agora voltaria sozinha, para onde quer que ela tenha ido. Ao mexer os bolsos da saia, dizendo que ela lhe dava sorte, Olga se espantou com algo, de espantada retirou as mão rápido, mas logo em seguida as colocou de novo no mesmo esconderijo e puxou um papel de foto amassado, era nós dois, no chão, sorrindo. Olga contemplou-a e, como eu naquele instante, seus olhos pareceram também voltar ao passado.

  Era Sábado à noite e nós, após voltarmos do bar que nos encontramos pela primeira vez, jogamos nossos corpos no sofá da sala que cheirava a naftalina, cigarro e roupas sujas. Eu costumava tentar fumar um cigarro muito raramente, esse Sábado era um dia desses. Olga sibilou algo e eu concordei sorrindo, sua imagem era turva na escuridão e os meus olhos já estavam bêbados. 

 - Honey - Eu escutei - A luz da rua desenhando no teu rosto um horizonte, você é bom pra mim

 O nariz e os dedos de Olga cortavam a penumbra, ela fitava-me agora com centímetros de distância e o peso de suas unhas e dedos eu sentia agora sobre o meu rosto, contornando-me. Olga sorriu e eu não soube como não ama-la.

- Eu te a.. - dedos calaram-me
- Em você - Disse Olga - there's a light on, heavy glow, honey.
- Em nós - aconcheguei-me entre seus braços - Em nós, darling.

   No nascer do sol no dia seguinte Olga despertou cedo, eu ouvi o som do chuveiro e depois o cheiro do seu perfume e o barulho de gaveta enquanto ela procurava algo. Acordou-me elétrica e eu só soube sorrir enquanto meus olhos acostumavam-se com a luz do sol. Observei o seu cabelo preso, sua bolsa transversal, sua roupa, sorri. Olga abraçou-me três vezes em um espaço-tempo de uma hora, eu não entendi, mas muito menos iria reclamar. Iríamos à praça, mas Olga mudou o itinerário e disse que nunca tínhamos ido juntos à praia, o carro suspirou como se reclamasse da mudança de destino, mas seguimos para o novo rumo. 
  Olga correu como nunca, suas pernas se esticavam até onde a saia permitia e a marca dos seus pés ficavam pela areia. Eu estava de camiseta e com a minha jaqueta mais bonita, eu não queria suja-la. Nos olhos e no riso de Olga eu percebi que ela perdera todo o seu tom fleumático, seu cabelo cor de sol desenhava raios de luz no ar.  Olga voltou ao meu encontro e puxou-me a mão, eu neguei, mas cedi rapidamente. Fomos andando e cambaleando, tortos até cairmos no chão. Olga sorriu para mim, com o rosto inteiro. 

- Você é bom demais para mim e eu não presto - Falou-me calma
- Eu amo o teu não prestar - retruquei 
- Eu estrago pessoas, eu estrago romances - tentando convencer-me - ninguém é o mesmo depois de mim, não só pelo lado bom
- Eu nasci estragado - sorri - por isso nós nos demos tão certo
- Você é bom demais para mim, mas eu não sou um bom lugar, viu?
- Tu deixaste a luz do sol entrar pelas persianas - respondi com a mão no seu rosto

Olga puxou sua máquina fotográfica da bolsa e disse que queria nos fotografar, mas era um Domingo de abril e a praia em que estávamos encontrava-se praticamente vazia, "não há para quem possamos pedir para nos fotografar" eu disse para ela. Olga pediu as chaves do carro, saiu e voltou após uns 2 minutos com um isopor na mão, "estava na mala desde aquele dia em que levamos cerveja para a festa do teu amigo", Olga apoiou o isopor na areia fofa, equilibrou sua câmera em cima e tiramos duas fotos usando o timer. Nos olhamos na tela digital e eu senti como se nós estivéssemos em um cenário de filme, eu amei a minha roupa e a de Olga sujas. Na volta para casa Olga pediu para que passássemos no shopping mais perto, parei no primeiro que lembrei, Olga entrou com passos rápidos e após um tempo voltou com um envelope na mão 
- O que é isso?
- Imprimi nossa foto, uma cópia para cada. Agora somos eternos 
- There's a light that never goes out - eu disse
- There's a light that never goes out, honey - proferiu Olga

Pedi para Olga guardar a minha foto, ela dobrou e botou no porta luva, a sua ela guardou na bolsa. 


  Quem voltaria para buscar uma saia jeans? Somente uma saia, em que eu deixei no seu bolso, propositalmente, a foto guardada porque não ousei olha lá nunca mais. Olga foi embora segunda-feira, e eu só fui absorver  a notícia três dias depois. A saia jeans ficou no cesto para as roupas sujas, por isso Olga não a levou. Eu sabia onde a saia se encontrava e por isso, na sexta-feira da mesma semana, eu  a carreguei com desdém e joguei-a no lixo, depois me arrependi, catei-a no meio das garrafas de cerveja e caixas de chá, apertei aquela saia forte sobre o meu peito, tirei a foto guardada no porta luvas, sem ousar revê-la, dobrei e a escondi no bolso da saia. Guardei-a. Agora Olga me olhava atônita e sua história indo por água abaixo. Ela não viria pela saia:

- Eu estava passando aqui por perto outra vez. Eu conheci esse cara do carro há umas 2 semanas. Ele disse que nessa parte da cidade tem uns restaurantes ótimos, eu lembrei da tua rua e disse que precisava pegar umas coisas na casa de um amigo. Deu vontade de te ver. Eu não saberia entrar por essa porta e só dizer que voltei - ela se justificou
- Mesmo que tu tivesses escrito que voltava, eu não saberia o que dizer ao ver-te - até Olga se assustou quando eu pronunciei ênclise tão bonita.

  O velho  Pálio cor de prata voltou  à porta novamente, apitou e Olga retirou-se novamente. Eu ouvi vozes longes e pedidos de desculpa, deu dez minutos e Olga voltou e disse que estava de saída e que ela não era para o que fomos. Eu logo pensei que aquele ensaio de Vitor Hénaux ( que Machado de Assis traduziu) estaria correto, mas ao julgar o cara ao volante, ele não merecia ser chamando de "tolo" muito menos uma referência literária.

 - Você tem queda por tolos, Olga?
- Você não é tolo, honey - disse Olga - Você é até bem esperto
- Disso eu sei - Falei estufando o peito
- Mas você nunca me engana, honey. Nunca
- Disso eu sei - secando o peito


  Mas o que me intrigava eram os olhos de Olga fugindo de mim, mirando outro rapaz. Estávamos na praça da cidade, eram 16 horas da tarde e eu senti ciúmes de Olga. Não delatei-me porque sei que ela ignoraria qualquer queixa ciumenta minha. O rapaz era um tanto bonito - Mais que eu até! - pensei. Olga assim como o mirou subitamente, tirou seus olhos dele na mesma proporção. Eu acalmei o coração acelerado e observei que era verdade, eu nunca enganava Olga e ela agora ria de mim. Pediu-me para irmos ao parque onde crianças brincavam, eu fui a contragosto. Olga caminhava dizendo que não entendia o porquê de o céu ser tão nosso, mas tão longe. Crianças corriam e se jogavam no chão de areia, mães gritavam, ouvia-se choros também. Olga observou um balanço esquecido, de assento quase completo por ferrugem e então sentou-se nele, eu quis dizer "levanta daí, menina! Olha tua roupa, toda suja", mas isso soou tão paterno e babaca após eu ver que ela sorria

- Balança-me - Pediu Olga
- E se caíres? - Indaguei 
- Eu puxo você - Disse-me Olga rindo

  O seu olhos fecharam e sua feição era de quem voava ou pelo menos de quem caíra em queda livre

- É lindo isso, né? - Disse Olga no vai e vem do balanço
- O que? - Falou a minha boca infestada por um riso súbito 

- Ter o céu assim, tão perto das mãos.

  Eu deixei o balanço agir sozinho e fotografei Olga nos meus olhos. 

- O mundo é seu - Eu disse em voz rasteira 

  Feito antes, Olga se foi. Deixou-me a saia e um demorado abraço e dois beijos no rosto. Agora não mais sobre o aparador da sala, mas em minhas mãos Olga sufocou um bilhete. Eu quis lê-lo, mas ela disse-me para fazê-lo só depois de sua partida. Seus olhos continuavam verdes, agora tinha tons de vermelho. Ela beijou-me, beijou-me como nunca antes. Limpou o rosto, os olhos, a boca não. Pediu-me desculpas. Eu a disse que não necessitava de desculpas. Saiu e seus dedos tocaram no limiar da porta como um ultimo suspiro. Entrou no carro, ganhou abraços, mas fez uma cara borocoxô.

  Sentei na cadeira de Olga na cozinha e li:

There's a light that never goes out, honey

j.


  Eu sabia agora, ninguém era o mesmo depois de Olga. Mas eu só queria que ela soubesse que toda noite eu ainda digo:

- Sing me to sleep, darling.


domingo, 21 de julho de 2013

Quid pro quo, Olga. Quid pro quo.



Olga apareceu após um ano, voltou na carona em um velho Palio cor de prata. Seu cheiro ainda era o mesmo, as estrelas, junto com a cor e o quase longo cabelo cor de sol.
 Quando vi Olga, não vi, fingi, contei os dedos dos pés. Assustou-me aquelas unhas ainda grandes, a boca em naturais medidas cercadas por um  vermelho batom,  o espaço dos seus pômulos que ainda guardavam o seio do seu riso, os  olhos verdes que devorariam um planeta inteiro em menos de 10 minutos - devoraram-me por míseros e eternos 7 ou 8 segundos-. Eu não parava de fita-la.
   
   Quando Olga decidiu ir embora eu não esperneei, não perguntei por que, não suspirei pelo seu ultimo beijo, aceitei apenas. Chorei 3 dias após.
   

     Era o ano de 2012 sobre a lua de uma sexta-feira, eu nunca tinha tragado um cigarro de maconha antes - engasguei-me e desisti na terceira chance-. Da rua sopravam-se fumaça, meus olhos avistaram miragens coloridas, senti como se o céu tornara-se tangível, como se eu voltasse o tempo e por instantes senti-me feliz de novo.
 
 Meus pais deram-me estrelas, estrelas que brilhavam na ausência da luz. Eu tinha sete anos e jurava que elas tinham vida, pois me livravam da solidão do quarto escuro, apenas  faltavam-lhe nomes.  Como se soubessem dos meus medos, as estrelas brilhavam até eu fechar os olhos e após isso me diziam docemente - dorme, meu menino.   


   Eu disse aos meus amigos que queria realmente ficar bêbado e dançar, sem mesmo nunca antes ter dançado, então escolhemos uma casa de festa qualquer. Aproximei-me de inúmeras mulheres que colavam o corpo no meu e depois se afastavam. Eu não sabia o que dizê-las e muito menos como beija-las. Voltei ao bar, tomei uma dose de vodca misturada com não sei o que, fui ao banheiro e saí da festa. Por ter que esperar os amigos que me acompanhavam aproximei-me do bar mais perto, onde tocava uns Rocks ingleses, sentei no balcão e pedi uma long neck qualquer. A música que tocava enquanto ela batia os dedos no copo e chorava, eu não entendi, como nunca entendi a cor do céu e as estrelas. Era Olga. Seu rosto misturado com suor e lágrimas, sua boca em vermelho batom. Se eu soubesse sobre ela eu teria sofrido de amor antes, eu teria ido à rua antes, tentando fumar um cigarro de maconha e dançar, eu a teria encontrado a mais tempo. No principio não perguntei seu nome, nem o numero telefônico, apenas reposicionei seu óculos enquanto ela bebia seu Uísque caubói.
 
Olga, seu rosto eu nunca mais confundiria pelas ruas entre os tantos outros.

"Ah! Minha honey baby". Era da musica que ela escutava e cantava depois dos nossos corpo exaustos do sexo. Não fumava ainda, mas nunca entendi porque perdia tanto tempo olhando para aquela parede vazia. Sem quadros, sem fotografias, sem tevê, sem os nossos nomes.

 A sua meia calça gasta eu conheci 1 semana após o primeiro encontro. Ela chamou-me para dançar. "to die by your side is such a heavenly way to die" eu não pensei em nada além de nós dois e meus dedos desenhando agora sobre o seu corpo. Descobri que Olga cheira a flores, mas não doce. Descobri o All Star  que não combinava com o vestido. Descobri que sua clavícula à mostra é o caminho dos lábios, beijei-a. Amei o gosto da sua vida. Ela não estava apaixonada, mas não saberia sumir do meu campo de visão. Não entendeu, sentiu raiva inócua, abraçou-me.

A culpa era dela, o amor era meu. Quis lhe escrever alguns livros com nossas historia em detalhes, nossos alguns meses de “sei la o que sinto”, alguns meses de “me abraça e não vai embora, não agora, deixa pra amanhã, pra depois do meio dia”. Eu descreveria seu temperamento, os pés, as pernas esguias, o corpo que brincava nos meus braços, o rosto em riso, os cabelos cor de Domingo, teus pelos, teu rosto, tudo. Cazuza e aquela musica que eu te cantava. Agora sempre saia para fumar e se isolava naquela varanda curta durante horas.

 No trabalho agora eram só cansativas torres de papeis, onde o dia só melhorava ao ver Olga dormir sobre a cama, a cada 3 em 3 dias que ela pedia para ficar - em um quarto metódico de uma casa bagunçada -, com um compasso de respiração que não decorei. Assim como não pude encontrar explicações para a linha tão perfeita de sua franja às 3:45 da manhã. Ela cortava sozinha, frente ao espelho do banheiro, a pia lhe denunciava. Eu não reclamei. Ela deixou a luz do sol entrar pelas persianas, feito o seu cabelo entrelaçado em mim.

 Olga não disse-me Eu te amo, lia seu horóscopo por diversão enquanto a água do chá fervia. Nós jantávamos juntos com certa frequência - que eu particularmente amava -, eu cozinhava para nós dois. Lavava as louças e a perguntava sobre seu dia, às vezes eu não entendi sua gíria. Olga falava fugitiva durante os 3 primeiros meses. Depois acostumei-me com sua voz ressoando pela sala. Eu lhe dizia que a sua mania de bater os pés no chão produzia um som capaz de me entreter, como quando ela cantava "tua viagem sou eu". Ouvi suas crises de choro e me fiz de forte. Carreguei Olga de festas. Ela dizia-me  - Quid pro quo, honeyQuid pro quo. Ela amou o meu amor pelos seus defeitos. Olga era o nome que faltava às estrelas do meu quarto, que sabiam dos meus medos, que me deixavam dormir em paz.

 Os fins não explicam nada. Não houve explicação com a qual me fizessem calar, ou entender, ou consentir. A sala foi embora, foi embora a casa inteira. A pia na qual eu lavava a louça dos nossos jantares ora quente, ora morno, ora falante, ora quieto, ora morto. Eu já desconfiava daquele silêncio há mais de uma semana, já desconfiava daqueles olhos há mais de um mês, tínhamos nos perdido no caminho de volta da praia? Minha roupa amarrotada, meus olhos mais escuros que o normal me denunciaram logo nos 3 primeiros dias. Não dormi, pensei nela, o meu medo do escuro voltou, de ficar só.  Quem brilharia no breu? 

 Olga é do mundo, como ela disse no bilhete deixado sobre o aparador da sala. Doeu.

Honey,

 Sou do mundo, tu bem sabes. Obrigado pelas momerias memórias. Eu parto sem itinerário, não tente me seguir. Você foi incrível, honey.
Mando lembranças se puder. Eu volto qualquer dia para tomar meu chá que você iria oferecer-me esta manhã, volto para ser questionada sobre o meu dia. Você realmente cozinha bem. Eu amo o jeito que você amou os meus erros.


J.


"Teu par de olhos verdes 
O cabelo em duas fases 
Tua boca de vermelho batom 
Um conjunto de ombros que falam por si mesmo 
Teu pescoço que abrigaria meus beijos, minha consciência aflita
 O mundo é teu!
 Lembre o que repito: O mundo é teu! 
E você é tão sua."

domingo, 19 de maio de 2013

Ainda bem que a gente cresce

    Lembro, não por memória, mas por vídeo, que na minha festa de aniversário de 1 ano eu descia até o chão ao som de "Na boquinha da garrafa", acho que esse era o hit de 97, nunca procurei saber, como nunca tentei entender por que a mistura do Brasil com o Egito me encantava tanto. Porém, ainda acho melhor que a balada boa de Gustavo Lima, mas ainda bem que a gente cresce.

  Eu já escutei Sandy e Junior, ou seria Sandyjunior? Enfim, eu o(s) curtia. Não sou tão velho, aliás, nem velho eu sou, mas eu tinha o CD físico de "As quatro Estações" e no toca CD do carro eu cantava Vamo pulá lindamente ruim aos 6 ou 7 anos de idade. Ainda bem que a gente cresce.


   No clímax dos meus 11 anos eu senti o fogo, o fervor, a chama da putisse, a vontade voraz pelo gosto do oposto, os pelos crescendo, a puberdade! Nome que me soava estranho, lembrava punheta, que até então era uma lenda que pairava pelo ar. Mas a questão aqui não é masturbação e sim minha relação para com o desconhecido mundo da conquista. Meninas sempre me pareceram desinteressadas por mim. Aos 11 eu me apaixonava toda semana por uma diferente que chamasse meu nome, que trocasse olhares, que me dava tapas, chutes, desprezo. Não era um lance sadomasoquista, era só uma desculpa pra ser lembrado. Mesmo que fosse por um xingamento. O prazer era a paixão da semana me chamar de chato. Eu puxava o cabelo, eu chamava de feia, praticava o bullying, mas no fundo era amor ou quase isso. Meninas, aqueles seus grupinhos, seus risos, me matavam de curiosidade e medo. Mulheres ainda me matam de curiosidade e medo. Ainda bem que a gente cresce.   

  Aos 13 anos fiz meu primeiro poema de amor. Consistia em um desarranjo de ideias em que a cada duas linhas se repetiam pelo menos uns quatro "te amo", erros gramaticais nem comento. Ainda bem que o amor foi platônico e o poema nunca ultrapassou a porta do meu quarto. Ao ler minha própria arte escrita, sentia como se Neruda nunca tivesse chego aos meus pés. Do mesmo amor cultivei a desgraça de passar horas e horas procurando em comunidades um depoimento fofis pra eu mandar pro Orkut do tal amor. Quem nunca, no tempo do orkut, fazia  isso que atire a primeira pedra! Não em mim, por favor. A história se repete em páginas cafonas de amor do facebook. O pré adolescente apaixonado sempre arruma um jeito para se mostrar amando e que vai se envergonhar depois. Minha oração aos que não se envergonham. Ainda bem que a gente cresce.

  Primeira namorada, primeira crise de criatividade para nomes amorosos. Acabei caindo no velho conhecido "amooÔr" que nas trocas de mensagens virava "amr", e nas horas mais românticas virava "amorzaum" , não foi nem um mês de namoro. Graças a Deus! Nomes amorosos é criação do capeta ou vai dizer que uma menina(o) chamando o namorado(a) de "vidão" "bebezão" "plincesa" "paixão" ou "pachão" não merece queimar junto com o Satanás? Claro que merece! Sem contar os que insistem em diminuir a idade mental que já não é lá das melhores e retrocede pro ta-tibi-tati. Ainda bem que a gente cresce.

 Não desmereço a vergonha de cada momento, até porque sem elas esse post não iniciaria meu blog e muito menos eu iria entender a razão pela qual jovens usam bonés de aba reta, fazem um som estranhamente ruim e se intitulam indie, tiram foto na frente do espelho fazendo bico, comem Mc'Donalds. Merdas são necessárias. Ainda vou ler esse post depois de um tempo e dizer: Ainda bem que a gente cresce. 

  




PS: É o post de estreia, viva!
Pss: Viva o casamento homo afetivo legalizado!!
Psss: Viva a sociedade alternativa!!!
Pssss: Aos que leram esse post e viram que não cresceram, vocês ainda tem tempo

Psssss: Se não querem crescer, lhes digo uma coisa: Roberta Miranda pra vocês
Pssssss: Roberta Miranda =Se o amor não está aqui / Vai com Deus 

Beijos e cultivem o amor.